Floresta Allgreen

Ficou em silêncio após a resposta de Shaorin. Pela reação anterior da garota, achava que ela mostraria mais alívio com o que Kite havia contado. Desta forma parecia que ela não havia acreditado em uma palavra sequer, e que queria apenas terminar aquele assunto. Kite achou melhor se calar e deixar que a garota tirasse suas próprias conclusões, afinal o que precisava ser dito ele disse, bastava que agora Shaorin decidisse acreditar ou não.

Às vezes, Kite ficava um tanto curioso quanto à estranha habilidade de Shaorin. Não sabia muito a respeito, apenas tirava suas conclusões através dos breves comentários que a garota fazia. Nem chegava a ser um incômodo, nem causava medo. Apenas intrigava o principe. O que ela poderia saber, e ate onde ia esse poder? Difícil saber.

— Como esse tal de Antares sabe tanto? E, para começo, porque ele usaria justo sua irmã contra mim? — Comentou, sentindo um pouco mais de dor pelo efeito do veneno, assim como Kite. Ficou curiosa em saber o motivo pelo qual Antares e Kite eram inimigos. Será que ele fez algo parecido com isso com ele para que não fossem um com a cara do outro?

O tempo tinha acabado e Shaorin voltou a ser como antes. A primeira voz em sua cabeça foi uma voz antiga, masculina, de um velho. Informou sobre o caminho que não seria nada muito tortuoso, e disse mais algumas coisas sobre Kite, principalmente a curiosidade que está sobre seu segredo. Engoliu em seco e tomou a certeza - junto com ele - de que contaria tudo quando saíssem dessa. Se saíssem.

Já tinham andado um bom pedaço na direção que Antares pedira. O veneno agora fazia um pouco mais de efeito, deixando seus braços levemente dormentes. As árvores aos poucos foram ficando menores e já era possível ver o topo de uma torre imensa, antiga e larga, de mais ou menos mil anos. Havia o buraco de uma janela meio quebrada por onde uma cortina escura rasgada balançava. Estavam perto, e cada vez que se aproximavam, podiam sentir uma sensação estranha como se alguém os vigiasse de cima além de um pressentimento ruim.

–– Ele não sabe de nada, aquele vampiro cretino. Inventa o que vem a calhar, e deve ter falado da princesa para causar alguma discórdia entre nós. –– Bufou, irritado. Havia tempos que tinha visto Antares, e ele ainda era desprezível. Kite não queria continuar o assunto, e também supôs que Shaorin já tivesse recebido mais informações pelos espíritos que a acompanhavam, ou seja lá o que forem.

Quando avistaram a torre, Kite parou o cavalo, fitando o lugar por um tempo, o analizando. Enfim desceu do cavalo, o amarrando a uma das árvores. Avançaria o resto do caminho a pé.

Não disse nada, seu pensamento respondeu simplesmente, e chingou quem também deu a resposta. Suspirou e parou o cavalo ao mesmo tempo que Kite quando avistou a torre. Ela era alta, de quase dez metros e imaginou como faria para entrar. O único meio de entrar era por quatro janelas. Mas duas delas estavam fechadas e bem trancadas por madeira atravessada. Restou as outras duas. Ambas tinham janelas de vidro, e a da frente que estava bem a vista tinha uma cortina vinho que balançava suavemente com o vento. A janela estava entreaberta.

No corpo da torre tinha correntes fragilizadas pelo tempo que transpassava seu corpo até embaixo. Uma roda d'água estava enclinada na ponta da torre e ligada às correntes, ela era antiga e sua madeira em algumas partes estava esburacada.

Espalhado pela grama tinha pedaços de madeira, bolas de ferro e uma catapulta antiga de porte médio no outro extremo da clareira, perto de uma árvore de tronco grosso. Um amontoado de cordas estava perto da roda D'água. Era antiga mas forte o suficiente e comprida.

Entre a roda d'água e catapulta tinha, em cima de um palanque de madeira improvisado com rodas, uma viga de madeira que tinha pouco mais de três metros. A ponta era como um L, com a parte menor virada para baixo. Ali tinha um círculo de ferro no qual se pendurava uma corda para enforcamento.

O que acabou por chocar ambos foi a criatura que estava sendo enforcada: Uma medusa. O cenário era deplorável e mostrava que uma guerra fora travada naquele lugar. Mas o que mais intrigou foi o fato de que a torre estava intácta e acriatura.

Shaorin logo tentou maquinar como iriam entrar naquela torre. Pensou no que Antares havia dito sobre combinar seus poderes para conseguire entrar e logo teve uma ideia. Se aproximou de Kite e contou:

— Algo me diz que teremos problemas com aquela medusa. — Afirmou, encarando-a mas desviando o olhar para a torre.

— Precisaremos usar a roda para subir. Você vai primeiro e eu mantenho a roda estável para que não quebre e as correntes também. Você joga a corda e eu subo.

— Mas se você tiver uma ideia melhor para entrar, posso lançar você com a catapulta, heh...— Brincou, dando um leve tapinha em seu ombro e encarou a Medusa.


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Torre

Spoiler:

Medusa

Spoiler:

De fato aquele lugar era estranho e desconhecido. Possivelmente a moradia de algum mago, mas era difícil definir com clareza devido ao que havia no lugar. Analizou tudo atentamente, apesar de já saber como subirem sem precisar disso.

Não pensou duas vezes antes de andar até a medusa, sem encara-la. Ela poderia vir a ser útil. Materializou sua blade e, num movimento rápido, cortou fora a cabeça da criatura, a segurando pelos cabelos de serpente. O corpo caiu inerte, o fedor típico daquelas criaturas cheia de escamas. Tomando cuidado para o rosto da medusa ficar sempre voltado para o chão, Kite caminhou devolta até seu cavalo, onde de uma das bolsas pegou uma sacola de pano e enfiou a cabeça recém-decepada. Jogou a sacola por cima do ombro esquerdo.

– A catapulta não deve funcionar bem, as cordas estão fracas. – Respondeu à brincadeira de Shaorin, e logicamente não havia entendido como uma. A vida toda foi bastante rígido e possivelmente não ouvia piadas ou brincadeiras. Um dia, quem sabe. – Espere aqui, ok?

Andou até as cordas, as examinando. Estavam firmes o suficiente. Numa das pontas fez um laço, onde Shaorin poderia apoiar o pé quando ele o puxasse torre acima. Quando Shaorin piscou, Kite não estava mais lá. Não demorou muito e o viu na janela da torre, jogando uma ponta da corda para Shaorin subir. Havia se teleportado, uma habilidade útil para esse caso.

Não acreditou no que viu. Devia ter imaginado que Kite conseguiria teleportar-se; haviam dito que ele era dotado de algumas magias também, mas nunca imaginaria que uma daquelas. Por que então ele não levou-a junto? Sabia que algumas pessoas conseguiam levar outras. Mas o comentário de Antares veio a sua mente.

Tudo deverá ser em conjunto

Obviamente, Kite não sabia o que era isso. Deu um suspiro e olhou-o ir direto para a medusa e cortar-lhe a cabeça. Já tinha visto aquele movimento em algum lugar mas não sabia a onde. Foi quando um aviso surgiu.

Nem tudo é como parece, filha. — A voz idosa soou em sua mente e Shaorin percebe que algo acontecera quando Kite cortara a cabeça da criatura: Assim que ele se materializou lá no quarto e jogou a corda, começou a caminhar em direção a ela para subir, mas o que notou durante a caminhada foi o mais intrigante: O corpo da medusa não estava mais lá.

Foi então que percebeu estar em perigo. Tentou avisar Kite, fazendo um movimento sutil de cabeça na direção em que o corpo da medusa supostamente deveria estar e, fingindo não ter percebido, começou a subir pela corda.

Em pouco tempo conseguiu chegar e entrou pela janela. Lá dentro, haviam várias coisas inúteis e tudo bagunçado. [Imagem do quarto] . Uma cama estava horizontal na parede a frente e bem ao centro havia uma haste onde era pendurado um livro. A haste era, simplesmente, um ramo de árvore. Ele segurava o livro igual uma mão.

O livro estava fechado e era visível um vidro que flutuava em volta do livro. Ele não era preso em nada. O quarto transmitia uma sensação diferente, amedrontadora, mítica e até intrigante. O que tinham que fazer era fácil. Jogar o vidro fora e pegar o livro. Mas como o fariam, uma vez que era claro que seria uma armadilha? Shaorin foi a primeira a falar já entendendo tudo.

— Kite, tenho uma coisa a dizer...Quando Antares disse sobre este lugar, comentou que teríamos que unir forças. Isso é óbvio e bem simples. Cheguemos perto e usarei minha magia para erguer o vidro até que você possa pegar o livro. Mas teremos que trocar o livro por outra coisa para que o ramo não perceba. Algo me diz que terá que equilibrar o peso para não termos problemas.

E bota "alguém dizia" nisso! Tinham acabado de sussurrar isso, e seria bem fácil aquilo tudo se não tivesse uma informação que eles não estavam lhe dando: O paradeiro do corpo da Medusa.

De fato, Kite não sabia trabalhar em equipe. No máximo sabia mobilizar tropas e comandar um pelotão para ataques, o que não servia muito neste caso. Tanto que suas habilidades eram individuais, as evoluiu para ser desta forma, portanto não teria se teleportado junto com Shaorin nem que quisesse. E supunha que ela não iria gostar da experiência, causava muitos efeitos colaterais em marinheiros de primeira viagem.

Ajudou Shaorin a subir pela corda, a puxando pelo braço quando estava próxima o suficiente. O sinal que ela havia dado em relação ao corpo da medusa fez Kite sentir a cabeça da criatura mais pesada na sacola em suas costas. Não parecia ser o que pensava que era. Enfim olhou em volta, prestando atenção no quarto. Belo depósito de porcarias. Ouviu Shaorin e ergueu uma sobrancelha em relação a unir forças. Para ele, ter jogado a corda já foi uma união de forças e tanto.

– Certo. – respondeu simplesmente. Se aproximou do livro, então olhou em volta procurando algo com peso equivalente. – A tampa de uma dessas caixas de madeira deve servir.

Haviam pequenas caixas de madeira no quarto, algumas com tamanho aproximada ao do livro, ao menos a tampa. Poderia ser útil e substituir o livro. Mas armadilhas não costumam ter soluções, e muito menos soluções óbvias.

— Okay...— Respondeu baixo, olhando Kite escolher a tampa de uma caixa. Esperou até que achasse e aproximou-se da tampa. Era fácil fazer aquilo, bastava se concentrar. Fez um movimento com a mão e o vento ficou mais forte. Posicionou a mão na frente do vidro e fez movimento suave com as mãos para cima como se erguesse alguma coisa.

Aos poucos o vidro começou a levitar e o livro estava pronto para ser trocado. Era um processo que exigia cautela, coisa que obviamente Kite sabia bem. Quando aproximou a mão do livro os raios de Sol bateram dentro do quarto e pôde perceber que quatro fios estavam ao redor do livro impedindo que fossem tirados do lugar.

Com a movimentação do vento que Shaorin fazia, os fios balançavam e quatro barulhos vieram dos quatro cantos do aposento. Os fios eram ligados ao teto por um aro e se expandiam na diagonal dos casal e terminavam em quatro criaturas. Elas eram presas pela cabeça e as mantinham abaixadas com os cabelos ocultando o rosto.

Daria trabalho para trocar os dois objetos, principalmente pela presença forte que vinha das quatro criaturas e de uma quinta que estava desaparecida mas que já imaginavam quem era.

Shaorin percebeu e diminuiu a intensidade mas o vidro acabou oscilando e pendendo para o lado direito, quase encostando no fio da esquerda; a criatura deste lado balançou mais forte e sua cabeça quase ergueu. Respirou fundo, sentindo suor brotar da fonte e resolveu manter como estava antes.

— Se for mais rápido, agradeceria. — Avisou, com receio do que aconteceria caso aquelas quatro criaturas acordassem.


Criaturas

Spoiler:

Estreitou os olhos quando notou os quatro fios em volta do livro. Aquilo seria ainda mais trabalhoso do que já achava que seria, e perigoso também. Notou as quatro criaturas, e decididamente não queria que elas acordassem. Daria muito trabalho cortá-las em pedaços.

– Apenas mantenha a concentração. – respondeu à Shaorin, voltando a atenção para os fios. Tocá-los para tirar do caminho e facilitar seu trabalho estava fora de cogitação, pois o leve toque parecia interferir diretamente com as criaturas. Concentrou-se o máximo que podia, esquecendo de tudo ao redor. Não era difícil, sempre meditava para treinos de magia, e esvaziar a mente para se concentrar numa única tarefa era sua especialidade. Logo evitou os fios e trocou o livro pela tampa de madeira, seus movimentos sendo precisos e ágeis. Deu um passo para trás com o livro em mãos, agora atento a qualquer movimento estranho no quarto.

Assim que Kite fez a troca Shaorin soltou o ar suavemente e o vidro pousou no mesmo lugar como se nada tivesse acontecido. Respirou fundo agradecendo aos céus pela rapidez e agilidade de Kite. Tinham avisado de que algo de errado aconteceria mas no fim, nada aconteceu! Eles estavam errados pela primeira vez! Riu por dentro, obviamente aliviada.

Foi então que o deslise aconteceu.

Quando Kite deu o passo para trás, encostou em um quinto fio que estava invisivel e ele acionou uma faca que estava oculta pela escuridão, ela foi direto para os quatro fios juntos na argola e os cortou, fazendo as criaturas pousarem de vez no chão. Kite não teria como notar o fio porque, assim que chegou, ele simplesmente não estava ali! Alguém tinha feito com que ele surgisse enquanto prestavam atenção no livro. Era certo que o cômodo era mágico e que já imaginavam que pessoas como os dois surgiriam algum dia, então, já tinham como contra-atacar.

Quatro rosnados múltiplos tomaram conta do aposento. Shaorin deu lado um passo para trás e bateu a mão na testa, praguejando enquanto ouvia risos de quem duvidou. As criaturas levantaram e começaram a se aproximar do casal. Duas na frente e duas atrás. Mantinham as mãos para frente, os olhos brancos sem foco direcionados para o rosto dos dois. Suas unhas eram tão grandes e afiadas que não precisariam mais de nada para arrancar um bocado de sangue ou um pedaço do membro.

Antes que Kite avançasse para ataque, Shaorin já o fez. Com sua habilidade, moveu as mãos para frente e empurrou as criaturas para trás com uma forte rajada de vento e deu passos para trás. Claramente Shaorin resolveu ficar com as duas da frente e deixar as de trás para seu parceiro. Sabia lutar e desconhecia onde aprendera, mas isso não importava.

O impulso dera certo e as duas foram direto para a parede batendo com brutalidade as costas, mas logo se levantaram para voltar ao ataque. Mas antes que pudessem novamente se aproximar, a garota foi mais rápida e fez dois daqueles caixotes de madeira irem direto para suas barrigas e puxou as correntes do teto para suas mãos, pronta para continuar o ataque e aprisioná-las.

Ficou irritado consigo mesmo. Deveria saber que ambientes assim costumam mudar constantemente, não se pode julgar aquilo com apenas uma vista. Já estava feito, o jeito era desfazer o estrago.

Ficou de costas para Shaorin, deixando-a cuidar das outras criaturas. Kite evocou sua blade, que se materializou em sua mão direita em instantes. Gostaria de usar as duas, mas o necromante desgraçado conseguiu quebrar as lâminas de uma delas.

Com a mão livre agarrou as grossas cortinas vermelhas e as jogou sobre os braços das duas criaturas à sua frente. Cobri-las por inteiro não fazia sentido, apenas queria livrar-se da parte perigosa: as garras. Elas iriam rasgar o tecido em parte, mas era grosso demais para isso ser simples e logo elas estariam se enrolando nos trapos. Kite não perdeu tempo, paciente atacando direto o pescoço de cada uma das criaturas, arrancando-lhe as cabeças.

Kite estava se saindo bem com as outras duas criaturas. Em pouco tempo arrancou-lhes a cabeça assim que Shaorin avança e lança as correntes para prendê-las. Apesar de o objetivo delas ser matá-los, ela não queria fazê-lo, queria apenas prendê-las, mais nada. Mas logo viu que não poderia fazer isso. As correntes prenderam-nas uma contra a outra e elas ficaram sem ação por algum tempo tentando desesperadamente se soltar.

— Agora Kite! — Shaorin não tinha arma, nada afiado que pudesse acabar com as criaturas como ele o fez. E Kite não demorou em fazê-lo, bastou um movimento para conseguir. Entretanto, havia mais alguém no quarto que não haviam notado pela movimentação intensa. Um sétimo ser, que, num movimento rápido, agarra Shaorin e coloca uma faca em seu pescoço. Era a Medusa que outrora viram e que Kite arrancara-lhe a cabeça, mas era apenas um peso morto agora em sua bolsa. Tinha sido um feitiço para enganá-los. Se olhasse em sua bolsa de novo, veria que era um amontoado de pedras.

— Entregue-me o livro. — Falou sibilando como cobra, arrancando um filete de sangue do pescoço de Shaorin.

— Não entrega Kite, vá embora e deixe-me aqui com ela! — Respondeu rápido, tentando livrar-se dela, mas só se ferimento mais. As cobras em sua cabeça roçavam em seu rosto e pescoço provocando arrepios por suas escamas geladas. Shaorin estava totalmente revoltada por não ser avisada disto antes. Mas para melhorar tudo, percebeu que ninguém mais tinha falado com ela desde que entrou ali. Eles simplesmente tinham saído na pior hora! Irritada e quase a mercê, tentava fazer Kite ir embora. O veneno estava quase no auge do efeito. Shaorin suava quase como uma condenada, e Kite começava também. Parecia ser menos pronpenso a tal, mas também sentia a força esvair de seu corpo, e ainda mais agora que precisaria tanto dela. Pensar, para ambos, já era difícil.

Enfim acabou com a raça daqueles zumbis desgraçados. Não foi difícil, gostaria de algum desafio, e nisso a verdadeira Medusa apareceu. Apenas não contava que ela usaria Shaorin como escudo.

– Tsc, verme covarde! – Já não conseguia pensar direito, o efeito do veneno apenas atrapalhava. Maldito Antares, precisava arrancar sua cabeça quando tudo aquilo terminasse. Kite nunca esteve numa situação parecida, onde usavam alguém querido como escudo. O que fazer? A medusa possivelmente viu que Kite conseguiria se teleportar, então isso não funcionaria com ela. A menos que...

Ignorou o que Shaorin dizia. Era óbvio que ele não a deixaria, e a medusa covarde sabia muito bem disso. Mas, pelo jeito, ela não conhecia o príncipe de Hilydrus, que raramente se importava com alguém. Estava na hora de conhecer. Ele fitou Shaorin com desdém, e ergueu o livro na altura do peito.

– Quer o livro? Venha pegar, piolho-de-cobra. – Não encarava a medusa por motivos óbvios, virar uma estátua não estava nos planos de Kite. Com o livro em mãos foi até a janela e saltou sem pensar duas vezes. Ainda ouviu-se o som de Kite chegando ao chão, não havia como negar que ele de fato havia simplesmente ido embora.

Porém, quando a medusa fosse até a janela para confirmar, veria a bolsa cheia de pedras caída na grama, e sentiria três lâminas cravando-se na sua espinha – uma delas bem em sua nuca.

Ficou satisfeita quando Kite simplesmente foi embora e não precisou de muito para saber qual seria seu destino. A criatura ficou irada com a ação de Kite, não esperava que ele largaria Shaorin ali a sua mercê e praguejou em seu plano que tinha ido por água abaixo.

— Sabia que não ia conseguir. — Replicou Shaorin, ignorando a faca em sua garganta.

— Cale a boca! — Berrou a criatura e jogou Shaorin longe contra a parede. Botou as mãos na frente pra não bater o rosto e cambaleou para trás, colocando a mão na garganta sentindo o calor de seu sangue.

A Medusa não queria mais saber de Shaorin. Com seu plano falhado, foi direto para janela numa tentativa de observar Kite ir embora ou tentar saltar para ir atrás dele, mas a única coisa que conseguir ver foi o borrão vermelho de seu sangue cobrir os olhos e uma dor intensa nas costas.

— M-merda...— E caiu para trás, semi consciente. Sangue começou a escorrer pelo chão e ir até os pés de Shaorin; ela morria aos poucos. Foi então que algo inusitado aconteceu. Sem Kite conseguir controlar, seu braço novo se moveu numa velocidade incrível e fincou no peito da criatura a lâmina, terminando de matá-la. Por mais que fosse seu objetivo, Kite não conseguiu controlar o braço novo. O que havia de errado? De certo não era um braço como qualquer outro, mas como ele poderia ter vida própria? Ainda mais, se mover numa velocidade daquelas, puxando Kite para uma ação que ele talvez não desejasse fazer?

Shaorin pode perceber que o movimento de Kite fora involuntário. Arqueou a sobrancelha e se aproximou dele, olhando para seu braço.

— O que foi isso Kite...? — Sua voz saiu num tom cansado mas não deu atenção. O fato do braço dele se mover sem que ele comande era mais surpreendente. E se algum dia esse braço faz algo que Kite não queira? Ou então...Acerte quem ele não queira. Deu um passo para trás.

Mas então as pernas de Shaorin vacilam. Talvez por ela não ter usado por mais tempo suas habilidades, estava mais fraca e o veneno tenha afetado-a mais. Suas pernas bambeiam e ela se apoia em outra janela e tenta respirar fundo. Percebe tudo girar e a cabeça pesar, tudo sumir aos poucos.

— Me leve lá para baixo...Preciso me deitar....um pouco...— E apagou. Kite não se sentia diferente. Também queria deitar, a cabeça doía e seus músculos se contraíam a qualquer instante. Sentia sono mas ainda estava apto a voltar até Antares.

Em sua cabeça, uma voz grave e forte soou, era Antares

"O tempo está acabando, filho de Takaras...Um já tombou, falta você."

A ação de Kite deu certo e conseguiu derrotar a medusa. As três lâminas cravavam-se naquela carne escorregadia sem problemas, então o rapaz puxa sua blade e deixa o corpo cair sangrando, o fitando sem expressão. Deixaria ali para morrer aos poucos, era o que essa escória merecia.

No entanto, em um instante havia cravado a blade no peito da medusa, terminando de matá-la. Ficou surpreso, sem sabe ro que aconteceu, seu braço se moveu por si só. Sentiu sua pele formigar, e não sabia se era efeito do veneno ou algo mais. Ergueu-se, fazendo sua blade desaparecer em chamas. Não respondeu Shaorin, não sabia a resposta, e não conseguia mais pensar tão claramente. Fitou sua mão por um tempo, até que ouviu cair desmaiada. e foi até ela.

– Antares seu desgraçado... – Murmurou, respondendo à voz em sua cabeça e resistindo ao veneno com todas as suas forças. Não morreria ali por causa de um livro estúpido, muito menos permitiria que Shaorin morresse.

Colocou o livro na mochila às suas costas e pegou Shaorin no colo. Concentrou-se no que fazia melhor: teleporte. Mas até hoje só havia feito para si, nunca com outra pessoa. Isso drenaria todo seu poder mágico, mas não poderia arriscar descer dali de outro modo e ferir Shaorin. Levou alguns minutos para Kite conseguir reunir a energia necessária, e então teleportou os dois até o chão.

Kite ofegou, exausto. Sua visão estava ficando turva. Assoviou e seu cavalo veio a galope. Com muito esforço montou no animal, aninhando a garota à sua frente e segurando-a firme com o braço direito, a mão livre guiava as rédeas. Pôs o cavalo a galope na direção daonde vieram sem pensar duas vezes. Precisava encontrar Antares e entregar o maldito livro, e esperava que o vampiro cumprisse sua palavra.

Tentava não pensar no pior. Segurava firme a garota, o rosto gelado dela contra seu peito arfante. Kite suava, sequer guiava o cavalo, ele encontrava o caminho por si só. Parecia que aquilo tinha durado horas, mas enfim ouviu a voz do vampiro e parou o cavalo. Com muito esforço desceu do animal e deitou Shaorin na grama, apoiando os ombros dela em seu braço.

Sem dizer mais nada, Kite levou a mão livre à mochila em suas costas, sacando o livro e o jogando aos pés de Antares. Estendeu a mão, esperando ele entregar o frasco. Seu corpo tremia e mal conseguia enxergar, mas não iria ceder agora, não quando tinha chegado tão longe.

Pegou o frasco, por pouco não o deixando cair de tanto que sua mão tremia. O destampou com os dentes, cuspindo a tampa longe, e ergueu mais a cabeça de Shaorin. Foi quando o sangue de Kite gelou e fugiu de seu rosto. A garota não mais respirava.

Sem hesitar despejou boa parte do conteúdo do frasco na boca dela, erguendo seu queixo para que o líquido escorresse pela garganta. Logo Kite bebeu as últimas gotas que restaram, quase perdia a consciência e precisava dela para ter certeza do que aconteceria. Deixou o frasco vazio cair, sua respiração acelerou em desespero ao não ver nenhuma reação de Shaorin. Massageou sua garganta, talvez o antídoto ainda estivesse escorrendo. Tentou respiração boca-a-boca, tocando os lábios frios que pareciam se despedir. Já não sabia o que fazer ou o que fazia, nada parecia funcionar.

Abraçou-a forte, puxando o corpo da garota mais para cima do seu. Denovo não, qualquer coisa menos aquilo. Não poderia perdê-la, rejeitava isso com todas as forças. Murmurava palavras de cura, mesmo sabendo que estava esgotado e seu poder mágico não fluída. Não importava. Tentava incansavelmente. A abraçava firme, não a deixaria ir embora.

Kite podia tentar o que quisesse que Shaorin não acordaria. Ela estava quase morta. O veneno já tinha tomado boa parte de seu corpo e estava perto do coração. Quando o antídoto desceu pela garganta da garota, começou a agir devagar.

O rapaz aos poucos sentia a vitalidade tomar conta de seu próprio corpo. A dor na cabeça diminuía até ficar um incomodo e sumir; os músculos, agora relaxados, deixavam o sangue circular e deixava o garoto mais corado, porém ainda desesperado.

Então Shaorin abriu os olhos do nada e sugou o ar com força, sentando. Tossiu com força, de olhos meio arregalados e ficou tonta, tombando de novo nos braços de Kite. Fechou os olhos e suspirou até acostumar-se novamente. Foi então que percebeu onde estava e nos braços de quem estava. Assustada, abriu os olhos e contemplou-o com o rosto branco de medo e arregalou mais os olhos, começando a esquentar e a cor vir à suas bochechas.

— O-o que houve Kite?! Fala garoto!! — Botou as duas mãos no rosto dele e apertou, sentindo-o quente, estava preocupada com ele, mas ao ver seu estado e o fato dela ter acordado, é porque tudo tinha dado certo. Ouviu duas vozes rindo e sorriu de canto, surpresa.

— O gato comeu tua lingua?

Ainda a abraçava forte quando de repente Shaorin voltou a respirar, engolindo grandes quantidades de ar e se recuperando. Não acreditava no que via, olhando-a incrédulo, sem exatamente saber como se expressar. Ela tocou seu rosto, preocupada, e Kite levou uma das mãos até a dela, mas logo desviou o olhar e fechou a cara.

– Ham, nada. Conseguimos. – Pigarreou, ajudando Shaorin a sentar e então levantou sem graça. Não demorou muito para virar-se e sair andando. – Descanse, vou procurar seu cavalo.

Havia feito um papel constrangedor, e esperava que ela não tivesse notado. Mas o que mais fluía por seu corpo agora era um enorme alívio que relaxava seus ossos. Ela ainda estava viva, tinha conseguido salvá-la. Kite respirou fundo, não se distanciando muito da clareira, precisava apenas organizar as idéias. Logo deu um assovio curto, e depois de um tempo o corcel branco cavalgou em sua direção. O rapaz pegou suas rédeas e trouxe o animal até Shaorin, ainda um tanto constrangido para olhá-la, mantendo uma expressão fechada. Sua vontade era outra.

Não entendeu a cara fechada dele. Estavam bem, não vira mais Antares, e ele ao invés de estar feliz estava irritado? A última coisa da qual se lembra é a Medusa morta e mais nada. Tocou o pescoço, agora só com um leve risco e suspirou. Kite a deixou sozinha sem dizer quase nada, sem nenhuma explicação...Baixou a cabeça e foi para trás, encostando as costas na árvore.

Sentia aos poucos o sangue voltar a circular com vigor e sentiu uma enorme vontade de comer. Parecia revigorada e ficou feliz. Mas sua alegria durou pouco ao ver Kite. Ele ficou em pé longe de um toque e olhou-o, percebendo que estava desconcertado. O que aconteceu enquanto estava apagada?

— Venha aqui. — Pediu, estendendo a mão. Esperava que ele não fosse o cara mau educado que conhecera. Assim que viesse e ficasse ao menos na sua frente como um homem, começaria a falar.

— Pensei que ia ficar feliz por termos nos livrados daquele vampiro metido. Mas...Vendo pela forma rude que me trata, fico me perguntando o que aconteceu enquanto não estava aqui. — E tentou se levantar. Vacilou um pouco, vendo tudo rodopiar, mas subiu encostada na parede para que ele não percebesse muito. Queria uma cama macia agora e um bom banho quente e noite de sono gostosa.

— O que houve?

Hesitou um pouco quando ela o chamou, mas logo andou até ela. A puxou pela mão, ajudando-a a se levantar enquanto ela falava. Foi quando Shaorin perdeu o equilíbrio, uma notável tontura a fez vacilar, mas Kite a segurou firme pela cintura, não a deixando cair e a puxando para si. Fez isso por reflexo e agora olhava para o lado, ainda constrangido. Levou um bom tempo para conseguir responder.

– Você tinha parado de respirar. – Falou baixo, mas suficiente por estarem tão próximos.

Ficou sem graça quando ele a segurou pelos braços e mal a olhou. Ele se arrependeu do dia anterior e das coisas que disse? Ou viu o que alguns vêem, que ela era uma garota sem sal e afins? Suspirou, mantendo o olhar em alguém que não o retribuía, até que falou e fê-la calar-se de vez.

Sua boca entreabriu e Shaorin não teve o que dizer. Sem respirar?! Logo consultou. É, Kite estava certo, ela tinha parado de respirar. Em pouco tempo conseguiu saber o que tinha acontecido com ela e esboçou seu sorriso costumeiro fazendo Kite olhá-la.

— Mais alguns minutos e eu não acordaria. O veneno estava perto do coração, mas acalme-se, o efeito que demorava para vir...Ora, não precisa ficar desesperado...Nem...bem, não preciso dizer. — Continuou sorrindo. Não queria desconcertá-lo mais do que já estava. Kite estava muito envergonhado e não conseguiu conter o riso.

— Preciso de um bom banho para relaxar e uma cama, sei que vou desmaiar de novo. Mas...— Olhou para os lados e sorriu, estreitando os olhos. — A água acho que pode me arranjar...Aonde tem um rio aqui, hein Sr. Kite? — Perguntou, abraçando seu pescoço e ficando com o rosto bem próximo, quase o tocando, só para provocar.

— Acho que precisamos de um bom banho de cachoeira para tirar o que mais tiver de ruim, acredite. — Piscou, olhando para o lado e dando uma respirada mais profunda.

A explicação de Shaorin só o fez ficar mais apreensivo por saber que a tinha salvo por muito pouco. Engoliu em seco, e ficou um pouco nervoso por ela ter rido dele. Ia responder prontamente, mas perdeu a voz quando ela abraçou seu pescoço e aproximou o rosto. Kite não se conteve em beijá-la por algum tempo. Logo parou aos poucos e a fitou sério.

– Acho melhor não, banhar-se em água gelada não vai te fazer bem, você acabou de se recuperar. Posso te levar até Allnight ou Stallion, onde terá água quente, boa comida e uma cama confortável. – Falava sério como sempre. Se preocupava exclusivamente com Shaorin, e ainda se recuperava do susto de minutos atrás.