Estalagem Stallion

Na verdade toda essa minha preocupação podia ser ansiedade, ou qualquer coisa desse tipo. Vai ver não era nada de mais e eu estava preocupado a toa. De qualquer maneira não abaixei a guarda, continuava atento e caminhando, não dando muita bola para a manha de Charlotte, na verdade detestava quando ela agia dessa maneira diante de algo que eu acreditava ser sério. Era o jeito dela, mas isso não queria dizer que eu a mimaria, estava preocupado demais para isso. Continuei juntamente com ela rumando em direção a Estalagem, que se tornava mais próxima à medida que íamos caminhando. — Espero que nos ajudem lá... — Eu permanecia incomodado com aquele clima, olhava para trás e para todos os lados, para o céu também, mas continuava andando. Logo havíamos chegado e ainda de mãos dadas com a mulher, entrei no lugar, prestando bastante atenção em todo o recinto por pura cautela, não relaxaria tão cedo naquele lugar, estava sentindo isso. Queria muito conseguir ficar um pouco mais tranquilo, mas não conseguia controlar. De qualquer maneira nunca era demais tomar cuidado, as possibilidades de nada acontecer eram as mesmas de algo acontecer, era melhor estar preparado para qualquer coisa.

Victor continuava sério e carrancudo, eu apenas permaneci em silêncio brincando mentalmente com as pegadas que eu ia deixando na areia. E tentava andar ritmada aos sons das ondas, assim bem infantil. Contudo, pareceria que eu estava andando rápido e com pressa de chegar a tal estalagem quando na verdade eu não estava assim tão empolgada. E que não me culpem, mas ninguém acorda depois de nadar quilômetros na empolgação suficiente de correr maratonas. Enquanto Khal preocupava-se (o que eu achava atoa) eu divertia-me sozinha. Bem autosuficiente. Não é que ele não tivesse razão, mas o problema não vai mudar por você se preocupar, por reclamar, na verdade só faz com que fique ainda pior. E ficar estranhando um clima estranho de um local estranho era meio sem sentido para mim. As coisas ali seriam diferentes, e não era isso que vínhamos buscando? Enfim, fiz todo o percurso bem quietinha, e quando me dirigiu a palavra apenas anuí. Se nos ajudassem ou não, a mim tanto faz, seria melhor se sim, mas fui ter uma casa de verdade demais de grande, aprendi a me virar sozinha desde muito cedo, e desde muito cedo aprendi a levar tudo com leveza. Deixando de lado a preocupação descomunal, a estalagem me pareceu um lugar simples, e não amedrontador, ou talvez precisasse de muito para me amedrontar. Entramos no lugar juntos, e não havia ninguém, por enquanto. E bem, eu não era de ficar esperando. – Olá? Tem alguém? Falei alto suficiente, olhando para Khal e encolhendo os ombros, numa expressão de dúvida. O que fazer?

Não demorou a aparecer finalmente alguém para nos atender, após Charlotte ter chamado. Eu permanecia encucado, mas amenizava minhas expressões para poder olhar a garota que surgia e passar-lhe um ar de simpatia, talvez. Não seria legal chegar com cara de perturbado no nosso primeiro contato com alguém ali, além de nós mesmos. E a garota tinha traços fortes, principalmente um olhar forte que parecia nos estudar. Ia me acalmando mais, relaxando, porém deixando alguma preocupação, devido às circunstancias. — Olá. Bom, nós viemos de longe, naufragamos e tivemos de vir a nado até a praia, passamos a noite lá e avistamos esse lugar. — Iniciei com a voz calma e olhando para a garota, era uma de minhas manias, nunca desviar o olhar da pessoa com quem eu conversava. — Eu sou Victor Muxfeldt e essa é minha esposa, Charlotte. — Continuei. Parei de falar alguns instantes, eu não costumava falar muito, sem dúvidas Charlotte teria mais habilidade em se comunicar com a garota, no entanto algo que ela havia falo permanecia em minha mente, resolvi perguntar. — Você falou que começou problemas em Ruff... Quais problemas? — Imaginei que Ruff seria aquele território, mas só depois tentaria mais informações, havia tempo para isso, acredito eu.

Não demorou até que uma garota se prostrasse. Olhei ela e lembrei até de mim mesma, de cabelos escuros, pele alva, a boca bem preenchida e olhos verdes inquietos. Contudo, obviamente, as feições não eram as mesmas - ainda bem, pensei. A menina se dirigira a mim, mas quem iniciou as respostas tomando a atenção da garota foi Victor. Mesmo ele não sendo muito bom ao conversar com estranhos, estava se saindo suficientemente bem, motivo o qual deixou que eu despersasse do dialogo. Já não pousava mais meus olhos sobre menina, mas sim sobre o ambiente. Reparando sutilmente em cada detalhe, distraindo-me e mapeando mentalmente o local enquanto meu marido tentava resolver as atuais problemáticas. Por se tratar de uma jovem, e bastante simpática concluí que não seria dificil obter ajuda, então me deixei levar pelas decorações e arquiteturas. Não exatamente por julgar bonito, mas a arquitetura de um local pode contar muito de sua história e a decoração de sua atualidade, basta apenas saber observar. Só voltei a prestar atenção, quando mencionado “esses problemas”; a jovem pronunciava como se tivéssemos conhecimento (o que concluí ser bom para nós, não éramos então total estranhos aquela terra, e não passávamos uma imagem abobalhada de ignorantes para os demais, evitando ao menos um pouco futuras tentativas de nos enganarem), de qualquer forma a menção de que havia problemas tirou-me de minha imersão, fitando novamente a criança. Não acresci nada do que Victor dissera, permanecia em quietude, apenas escutando com atenção.

Confesso que estava até chegando a esboçar um sorriso para a garota que vinha sendo simpática conosco até seu comentário de “se limpar descentemente”. Não pude deixar e entortar a cabeça e aspirar meu próprio cheiro, mas, ora, eu era cheiroso até se dissessem o contrário. Porém era um grande avanço, tínhamos onde ficar por essa noite e poderíamos nos organizar melhor, conversar sobre o que fazer. Estranhei o silêncio de Charlotte, porém deixei-a observar todo o lugar, sem dúvidas ela levantaria muitas questões sobre ali, colheria muitas coisas que poderiam nos ser valiosas. Voltei a minha expressão mais preocupada ao ver a menina desenvolver sobre os problemas de Ruff. Acompanhei suas palavras com calma, analisando-as também de acordo com a oscilação de sua voz, só assim saberia a dimensão da gravidade do que ela me contava, já tivera uma noção ao ver a nuvem lá fora, mas ouvindo de alguém que vive ali há algum tempo era bem mais fácil procurar saber como agir. No momento só restava esperar, não sei se poderíamos tirar algum proveito dessa situação, mas caso tivesse como, trataríamos de achar. Por hora contentava-me em balançar a cabeça para a garota e vê-la sair, para logo sem seguida ver a chegada de comida, e eu estava altamente faminto. Ia comentar algo com Charlotte, mas ela ainda parecia concentrada. Aproximei-me do balcão e peguei um pão e comi com a carne, tomando também um gole do suco, que por sinal estava delicioso. Não sei porque de uma maneira geral não estava assustado com essa história, talvez por saber apenas por alto do que se tratava. O fato é que para mim isso não surtia nenhum efeito, eu não era dali, passaria a ser agora, cogitava até mesmo a ideia de juntar-me ao tal pirata se de alguma maneira eu fosse útil. Bom, era muito cedo para qualquer plano, eu preferia ganhar a confiança de alguns e me instalar ali, crescer para só assim tomar conhecimento do que seria o melhor a fazer.

De minha inspetoria notei que a porta era recém feita, mas isso qualquer um perceberia, o que procurei – ao notar a reforma – foi tentar encontrar então onde ficava a porta antiga. Contudo, nada encontrei. O que era de fato muito estranho, pois então pelo método dedutivo só podia concluir que não havia antes porta nenhuma ali. Mesmo o salão ser notavelmente uma reforma mais antiga. E ainda nas conclusões, eu só havia uma, não queria ficar por ali. Algo alardeava que quanto mais cedo saíssemos melhor, principalmente pela menina não ter me encantado em nada. Ainda assim começara até prestando bastante atenção no que a pequena garota proferia. Ela dizia num tom sério de quem muito acredita. Eu já não era assim tão levada por aqueles que são convictos. Minha natureza era desconfiada. E aí por diante ela embarcou numa historia fastidiosa e fantasiosa sobre piratas. Coisa que não acreditei nada. Muito me soava como ignorância, como explicação para qualquer fato que desconhece e teme demais para descobrir. Eu, ao contrário da pequena indiscreta, queria era então encontrar o tal pirata. (Mesmo achando que se fosse verdade, Victor jamais concordaria). Ao mínimo renderia boas histórias.
Não me fiz de rogada, e fui ao cesto de comidas, pegando qualquer coisa para comer sem prestar muito a atenção. – Piratas. Já gosto ainda mais dessa nova vida. Muito embora não creio muito nisso. O que pensas, amor? Quebrei o silêncio, bebericando o suco em seguida. Era gostoso, mas eu sentia falta de um bom whisky e um vinho Bourbon, e perto disso o suco não me era muito fantástico. – Se existir mesmo um pirata, ele saberá muito mais dessas terras que uma garotinha. Vou averiguar isso. Não procure descobrir sobre pessoas e lugares nos jornais, ou nas casas de família. E nos bares, com os bandidos e com as prostitutas onde estão todos os segredos. E é para esses lugares que eu iria. Ou melhor, nós iríamos.

Assim como Charlotte, eu era bastante observador. Não foi preciso muito para que eu notasse que aquele homem não era apenas dono daquele lugar, por trás de seus intensos olhos cinza havia muito mais, talvez muita coisa que eu não quisesse nem descobrir, afinal não me tinha importância alguma. Ele fora bastante receptivo e simpático nos oferecendo lugar para passar a noite, mas algo me dizia que era melhor sair dali. Passaríamos sim essa noite por aqui, para descansar e se limpar, voltarmos a ser gente para então pensar no que fazer e para onde ir a partir daqui. Escutava o homem, após ter me apresentado. Meu semblante se alterou ao notar seu olhar para Charlotte, porém continuei escutando e observando suas expressões enquanto falava. — Perfeitamente. Obrigado por estar nos ajudando e até o almoço, Kiur. — Completei, quando ele entregou a chave e em seguida foi-se. Segui pela escadaria até o quarto, abrindo um sorriso de alegria profunda ao finalmente encontrar uma cama, lençóis, um banheiro e água limpa. — Finalmente! — Encaminhei-me diretamente ao banheiro e liguei a água para que enchesse a banheira, em seguida voltei até Char, abraçando-a pela cintura e lhe selando os lábios, caminhando com ela até o banheiro, ainda sorrindo mesmo com todo aquele mistério do novo lugar. Conversaríamos sim sobre o que fazer, mas durante o banho, já não aguentava mais. Tirei os trapos que vestia e entrei na banheira, deixando minha cabeça submergir ali dentro e relaxando, contando também que ela viesse, caberíamos os dois. Mesmo com esse momento de dispersão a preocupação que me desde cedo na praia me perturbava ainda não abandonava meus pensamentos, me preocupava não exatamente por mim, mas por minha Khaleesi, que ela corresse algum perigo. Abastei-me a descansar para poder pensar melhor, por fim.

Sustentei o olhar do dono da estalagem pelo mesmo tempo em que me fitava, ou até mais, pois com os olhos o acompanhei deixar nossa presença. Não tinha gostado dele, e menos ainda da maneira como tinha me olhado. Era só um algo a mais para elencar na lista de coisas estranhas daquele lugar. Contudo, as circunstâncias que nos acometiam implicavam um comportamento mais suave e adequado. Invés de rebater em palavras para entender, apenas sorri em agradecimento o aguardando nos deixar a sós. Victor também não havia continuado a conversa quanto aos piratas. Ele também estava estranhamente quieto, e em virtude disso, calei-me também. Assim que a chave era nossa, fomos rápido ao quarto. E ainda quieta compartilhei da alegria momentânea de Khal, sorrindo ao que hoje nos era ofertado. Ele correu ao banheiro, e eu a janela. Procurando alguma coisa que nem eu mesma sabia. Estava agoniada, algo estava errado. Notei que ele demorava no banho, e minha urgência em banhar não mais podia esperar. Tirei as roupas deixando-as dobradas num canto e também entrei na banheira. Num prazer particular em sentir a água doce e limpa em contato com minha pele. Sorri sutilmente ao luxo tão comum. Já imersa com as águas cobrindo os seios, e o cabelo dançando suave de lá para cá conforme o movimento. Eu estava como eles, de lá para cá. Precisava era de um plano do que fazer, detestava ficar assim, a mercê, tão perdida e sem saber de nada. Talvez fosse por isso tamanha agonia. Ou talvez fosse um presságio.

Os instantes que passava naquele banho gostaria que se estendessem pela eternidade, estava finalmente ficando mais calmo, pela primeira vez desde que pus os pés nesse lugar, porém meu momento era breve, aproveitei-o o máximo possível, simplesmente deixando-me ali. Charlotte juntava-se a mim, abri um sorriso ao vê-la chegar e abri também os olhos para poder olhar os seus. Mas senti que era preciso voltar a alerta, tínhamos muito que pensar e muito a discutir sobre o que fazer. Eu particularmente não fazia ideia, até agora os únicos lugares dali que havíamos conhecido foram a Praia e essa Estalagem. Tinha alguma esperança de arrumar uma direção para seguir durante a conversa com Kiur, tentaria conseguir dele informações, mas não que eu tivesse confiado nele e em seu olhar pra Charlotte, só era plenamente capaz de reconhecer que toda a ajuda que pudéssemos conseguir seria muito bem vinda. Eu e Khaleesi conversávamos primeiramente sobre coisas não muito relevantes, apenas para distrair e arrancar dela um sorriso, sentia-me capaz de enfrentar qualquer coisa quando ela sorria pra mim, com meu jeitinho a fiz sorrir para conseguir as forças necessárias. Puxei então o assunto da nossa atual realidade, iniciando. — Temos que conseguir o máximo de informações possíveis, amor. Pra sabermos que direção seguir. — Falei o obvio, suas habilidades seriam mais do que necessárias, eu não era muito bom com isso, mas Charlotte sempre consegue o que quer de quem quer que seja. Falei mais algumas coisas sobre esse aspecto, e logo levantei da banheira, secando-me e enrolando a toalha na cintura, tratando agora de me aprontar para descer pro almoço. E não demorei para estar pronto, tratei de esperar que minha mulher se aprontasse também, enquanto olhava pela janela aquele lugar vasto e completamente cheio de mistérios. Quando dei por mim um sorriso já havia se formado, um sorriso de contentamento pelo desafio, e desafios era o que não iria me faltar. Acima de toda a confusão que estava minha cabeça, estava feliz por estar ali.

Como eu precisava de um banho. Não por estar suja, afinal ao dia anterior eu passei horas em banho Maria na água salgada. Refiro-me a necessidade de sentir-me limpa, e do bem estar que nos é proporcionado quando se toma banho (ou pelo menos à maioria das pessoas). Khal parecia confortável demais ao meu gosto, muito embora depois do naufrágio que sofremos eu era grata pela ajuda a nós concedida, o cheiro dessa ajuda me parecia custar muito. Ilusão a nossa em pensar que iríamos para um lugar novo e sermos felizes para sempre na calmaria. Não, nunca. Não éramos dignos da calmaria, ou ela que não era digna de nós. E até prefiro assim, pois só eu sei o qual apelativo me é o perigo, e o quão irresistível é uma aventura. Eu dividia, portanto dois sentimentos correlacionados, o de desconfiança/preocupação pela atual situação e a felicidade justamente por estar em meio desse mistério, por nada estar e ser monótono. Só não sabia se a felicidade de Victor estava nisso, ou não. – Tens razão. Temos mesmo. Por esse motivo que fiquei tentada a saber sobre esse tal pirata. Ninguém melhor para conhecer tudo, que alguém que navega por tudo. Ou menos saberá mais que uma garotinha que nunca saiu dessas paredes. Vamos ver o que o dono da Estalagem tem a dizer, mas voto por procurarmos o tal pirata. Se é que ele existe. Deixei a banheira, andando nua e molhada pelo quarto, enlaçando meus braços em torno de sua cintura, por trás, enquanto fitava a janela. – Vem, vamos logo para esse almoço, embora eu já não goste nada nada desse senhor. Deixei-o para me vestir, alguma roupa limpa que encontrei e não me caiam muito bem, mas eu não estava preocupada com isso. Já pronta, abri a porta do quarto descendo para o saguão onde imaginei possivelmente o velho estar