Haar Von Eür Lanzer

A escuridão se foi, e por um breve momento Haar teve de cobrir seus olhos para se acostumar com a luz do sol. Era um calor reconfortante, tranquilo, que transmitia a paz em sua volta. Via um belo e verde gramado até onde sua vista alcançava. Não reconhecia aquelas terras, mas por algum motivo se sentia em casa.

No topo de um morro havia uma bela casa de cor branca. Haar logo começou a caminhar naquela direção, onde sabia que era seu lar. Estava em casa, aquilo tudo não havia passado de um pesadelo. As mortes em seu reino, a doença de sua esposa. Jill... ela deveria estar esperando-o, preocupada pela demora.

Seus pés pisavam na grama macia, cada passo fazia Haar sentir-se cada vez melhor. Quando estava próximo, avistou sua amada. Estava curada! E ainda mais bela do que antes, seus cabelos esvoaçavam pela brisa assim como seu vestido. Ela avistou Haar e seu sorriso fez com que o guerreiro quisesse correr devolta para os seus braços. Jill então pareceu chamar alguém, e então um pequeno garoto, de cerca de cinco anos de idade, correu animado até Haar.

– Papai! Papai!

O pequeno abraçou Haar pulando sobre ele, feliz. Nada poderia ser melhor! Estava em casa, com seu filho e esposa.

Foi quando o menino ergueu o rosto, sorrindo ao encarar o pai. Haar entrou em choque ao olhar o rosto de seu filho: O olho esquerdo faltava, em seu lugar tendo um buraco ensanguentado.

– Papai, veio me dar outro olho? Não me deixaram ficar com o meu...

Quando mais Haar olhava, mais assistia o rosto da criança se desfigurar, o sorriso rasgando-se e ficando cada vez maior, dentes finos e numerosos brotando. A mão do pequeno tornou-se negra como se estivesse apodrecida e foi em direção ao rosto de Haar, dedos longos com garras se formando. Iam direto para seu olho esquerdo.

Num impulso Haar saltou para trás, caindo ao perder o equilíbrio pelo choque. Tentou se levantar, mas assistiu o menino quebrar-se, torcer-se, o som de seus ossos se partindo eram facilmente ouvidos, sua pele era rasgada enquanto uma forma estranha tomava conta, que finalmente termina. A esta altura, o horror que tomou conta de Haar o teria matado. Mas ali era o inferno, não se livraria assim tão fácil.

A ira de Haar corroía seu corpo. Ia além, até sua allma atormentada que ainda não assimilava o que acontecia. Quando se deu por si, havia usado as garras do próprio monstro para perfurar-lhe o olho, a mão inteira do demônio cravou-se em seu crânio e sangue respingou no rosto do guerreiro, queimando como se fosse fogo. Imediatamente foi para trás, atordoado pela dor. O lado direito de seu rosto tinha marcas profundas de queimadura, por sorte não foi pior pois grande parte do sangue foi em sua roupa, e não parecia afetá-la. O sangue do demônio queimava apenas a carne.

– Ora ora, parece que alguém caiu aqui vivo! Talvez por isso as ilusões não te afetam tanto... – Falou o demônio, arrancando a mão de seu próprio olho destruído. Ele ainda sorria, a enorme fileira de dentes formando uma aparência bizarra, ainda mais com o sangue escorrendo do buraco em seu rosto. – Mas vai aprender que seria melhor ter morrido em vida!

O demônio investiu contra Haar, um único golpe o lançou contra uma das paredes de gelo. A dor era triplicada, mas sua resistência era maior para que pudesse sentir mais dor e levar mais tempo para morrer. O guerreiro caiu no chão, cuspindo seu sangue vermelho na neve, que imediatamente derreteu com o calor. Estava perdido, não conseguia sair dali. Aquela criatura teve o crânio perfurado e ainda assim era como se nada tivesse acontecido!

A criatura investiu, faminta por uma alma ainda viva. Que prêmio havia encontrado! Grande parte dos demônios apenas saboreiam almas velhas e aterrorizadas, mas aquela parecia ter um sabor especial. Não temia a morte, não temia o inferno! E ainda estava presa a um corpo de carne e osso!

Atacou sem pensar duas vezes, porém Haar esquivou-se com sucesso e acertou um golpe no braço do demônio. Achou que iria apenas quebrar seus ossos, mas... o braço foi arrancado! O membro caiu no chão, foi como se Haar tivesse rasgado uma fina tira de carne.

– Haha! Vou te falar uma coisa sobre o inferno, humano! – Rugiu, sangue escuro escorrendo pelo que restou de seu braço. – A alma de qualquer um que chegar é de quem pegar primeiro! E torturar é o que fazemos melhor...!

O braço cortado começou a se contorcer, fazendo movimentos estranhos e quebrando-se, aumentando de tamanho, até tomar a forma de Jill, sua amada esposa. Estava nua, bela como Haar se lembrava. À frente do guerreiro, o demônio puxou a mulher para si usando o braço que lhe restava, fazendo-a encostar-se em seu corpo, mas continuando de frente para Haar. Deixava sua mão distorcida e cheia de garras sobre a barriga lisa de Jill, que deveria carregar seu filho.

– Que linda mulher você tinha...! Ela morreu? Foi devorada? Se estiver por aqui, já deve ter sido estuprada das piores formas por demônios como eu! É um corpo delicioso, entendo perfeitamente porquê você a quis! Estou até com inveja...!

A ira explodia nas veias de Haar enquanto via a língua do demônio serpentear pelo corpo de Jill e enrolar-se em seus seios. A mulher não tinha expressão, parecia uma casca vazia e seus olhos não tinham foco.

A ira de Haar o levou a um golpe direto contra o demônio. Assim que o fez, o corpo de Jill sumiu em meio a uma fumaça preta que fez o guerreiro engasgar e tossir sem sequer sentir que atingiu seu inimigo. No entanto mesmo assim suas palavras fluíram com sua ira.

Haar ouviu o demônio rir debilmente atrás de si.

– Haha, onde você pensa que está, humano? Aqui é o inferno, onde ficam os piores demônios... os que já estão mortos!

Ele avançou contra o guerreiro, jogando-o novamente contra a neve, porém essa investida custou duas costelas quebradas a Haar. Além disso seu braço sangrava com um corte profundo. O demônio parou e cheirou o ar com enorme prazer.

– Ah sim, sangue dos vivos! Você não faz idéia do que os demônios daqui fariam para ter uma mísera gota disso! Mas tenho sorte, você é minha presa apenas!

Haar levou as mãos aos ouvidos quando ouviu o rugido da criatura, ela estava em êxtase, como se o cheiro de seu sangue fosse uma droga extremamente viciante para o demônio. Porém, no instante seguinte, ele estava cortado ao meio e caído ao chão.

– Haar Von Eür Lanzer, estou certo? – Uma voz masculina vinha de algum lugar, Haar não conseguia ver daonde. A tempestade de neve se intensificava, e ele nada conseguia enxergar, apenas o corpo do demônio que se dissolvia e derretia a neve. – Demônios fracos são baixos e burros, incapazes de fazer um trato.

A voz pareceu ficar mais próxima, mas Haar ainda não via ninguém.

– Vamos, guerreiro de Takaras! Me faça ouvir seu ódio, me diga o que desejas, e se for interessante para mim, talvez possamos entrar num acordo.

Haar pôde ouvir uma leve risada irônica. O dono da voz parecia se divertir com aquilo, ou que tinha previsto a responsta do guerreiro. De qualquer forma, o vento continuava soprando forte e ele nada podia ver.

– Você é um humano interessante, Haar... Poucos de vocês parecem úteis ou mesmo inteligentes o suficiente, mas confesso que alguns me surpreendem. – A voz parecia vir de todos os lados. Haar não mais via o corpo do demônio nem nada à sua volta. Apenas neve, vento e sua própria respiração. – Se sua resposta fosse outra você teria morrido a alguns segundos, mas isso não vem ao caso.

De repente o guerreiro pôde ver uma grande figura à sua frente. Na verdade enchergava pouco mais do que uma estranha forma escura que se aproximava em meio à tempestade de neve. Quando o ser se aproximou o bastante, Haar pôde enchergar um homem montado em um cavalo. O animal tinha a pelagem quase negra, lembrando de uma raça típica de lugares frios que possuem musculatura mais desenvolvida e pelagem mais espessa. Seus olhos emitiam uma fraca luz vermelha e pareciam examinar a alma de Haar. Seu cavaleiro parecia um homem corrompido. Sua armadura era prateada com sinais de luta, e seu rosto era em boa parte coberto pelos seus cabelos brancos. Em suas costas jazia uma espada dentro de uma bainha. O cavalo parou quando seu focinho estava a dois palmos de distância do rosto de Haar.

– Não me compare com demônios inferiores, meu caro. – O cavaleiro começou a falar. Transmitia confiança em cada palavra, como se fossem as maiores verdades – Aquele demônio com quem você fez o pacto em troca da "cura" de seu povo, esposa e filho... acha mesmo que ele cumpriria? Não, muitos demônios não são capazes de cumprir com sua palavra.

O cavalo bufou contra o rosto de Haar, o obrigando a dar um passo para trás.

– Um reino naquelas terras amaldiçoadas de Takaras não vêem nada além da perdição. Mas e se você pudesse trazer a cura a todos, e melhor ainda: pudesse formar seu reino em uma terra fértil, produtiva e ambundante em vida e riquezas? Posso oferecer isso sem problemas, e ainda acabar facilmente com aquele demônio com quem você fez um falso pacto.

Haar sentia-se estranho. Aquele homem não aprecia ser um demônio, tampouco parecia ser uma ameaça. Ao mesmo tempo emanava poder, um poder do qual o guerreiro sequer podia confrontar. Mas ele lhe oferecia uma escolha. Haar podia continuar a servir o demônio, agora com a dúvida caindo sobre suas costas, ou fazer um novo pacto e ser dono de um novo reino, um reino verdadeiro e próspero, além de ter devolta sua mulher e seu filho. Mas a que custo...?

Se divertia com as respostas, eram melhores do que esperava. Humanos eram interessantes, muitas vezes tinham seu coração corrompino de ganância. Era desse tipo de pessoa que o cavaleiro precisava.

– Ora ora, Haar, não me confunda com esta raça de demônios, sou superior a eles. Lealdade? Sou leal a mim, e acho que isso é o suficiente. E não se preocupe, poder é exatamente o que te ofereço. Reinar um vasto reino que é potência não só em Lodoss, mas também um exemplo de riqueza e poder por outros continentes! Terá um enorme exército às suas ordens, e poderá conquistar o que quiser. Claro, também terá devolta sua mulher e filho.

Ele colocou a mão no queixo, gostando da última pergunta.

– Meu pedido é simples. Como talvez saiba, sou procurado por toda Lodoss, e o povo se revoltaria se de repente eu subisse ao trono, coisa que posso fazer facilmente. Mas não é de meu interesse causar tumulto e muito menos revoltas, não é o ideal para meus objetivos. Não, o povo vai se sentir muito mais confiante se subir ao trono alguém que eles acreditem ser seu salvador, seu herói. Neste caso, você. Tenho um bom plano, meu caro, mas para ouvi-lo deverá aceitar o trato.

O vento estava forte, Haar mal conseguia enxergar entre a neve. O misterioso homem se distanciou um pouco com seu cavalo, parando com o animal de lado para Haar, logo erguendo a mão e algo se materializou nela. Ele jogou este algo aos pés do guerreiro. Uma cabeça ensanguentada de um demônio.

Haar não poderia esquecer aquele rosto distorcido. A expressão do demônio era de dor, seu pescoço fora cortado de forma precisa num só golpe. Claro que, por ser um demônio, apenas isso não o mataria. Logo os olhos dele se cravaram nos de Haar.

– Filhote de humano, tínhamos um trato...! – Falava o demônio moribundo.

Uma espada foi jogada e cravou-se na neve ao lado de Haar. A espada tinha uma lâmina negra e longa, apesar de ainda ser uma arma de uma mão. Emanava um estranho poder.

– Vamos, Haar. Use esta espada para quebrar o trato que fez com este demônio fraco e desprezível. Fazendo isso você irá também selar um novo trato comigo. Um trato com Balmung, o cavaleiro do céu em chamas...!

A lâmina da espada cravou-se na cabeça do demônio, e o sangue escuro dele esparramou-se pela neve, derretendo-a. Logo a própria cabeça se desfez em mais sangue.

– Ótimo, meu caro Haar. Acaba de fazer parte de algo que mudará toda Lodoss! Ou melhor, você dominará todo este reino...! Mas vamos conversar com calma a respeito, longe daqui. A não ser que prefira ficar neste fim de mundo.

Balmung riu, e ao seu lado um portal de uma cor roxa e negra apareceu ao seu lado. Ele virou seu cavalo e adentrou no portal, desaparecendo através dele. Notavelmente era para Haar segui-lo. Seu ferimento ainda doía bastante, mas conseguia andar e carregar a espada sem maiores problemas.

< Haar, recebeu 500 pontos de experiência pela boa narração e pela luta>
< Seu próximo post será neste tópico>